“A intenção
predominante de Jesus (...) foi libertar os homens do jugo do dogma e excluir
dos corações o espírito da dúvida que obsidia os relutantes, os indecisos e os
que não sabem donde vieram, quem são e para onde vão”
(Cairbar Schutel, no preâmbulo do seu livro “Parábolas e
ensinos de Jesus”)
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PONDERAÇÕES SOBRE A FÉ
Vinícius Lousada[1]
“O Espiritismo estabelece como princípio que antes de crer é preciso compreender.”
(Allan Kardec)[2]
Do
ponto de vista kardequiano, a fé pode ser compreendida como a confiança que o
ser humano tem em suas próprias forças para a realização de determinada coisa,
superando os obstáculos das dificuldades, da má vontade e das resistências.
Com fé em seus objetivos
nobres e no próprio potencial o indivíduo faz-se capaz de mover “montanhas”
como os “preconceitos da rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do
fanatismo e as paixões orgulhosas”[3] que,
ainda, procuram interpor-se ao progresso da humanidade.
A
fé, segundo o estudo proposto pelo mestre Allan Kardec em O Evangelho segundo o
Espiritismo, igualmente tem por significado a confiança que se tem na
realização de algo, de tal modo que, pelo pensamento, se pode conceber
antecipadamente a sua efetivação e os meios para tanto. Nesse caso, essa fé-confiança dá
ao indivíduo tranquilidade na realização de seu tentame e favorece o êxito.
Todavia,
Kardec não deixa de caracterizar a concepção de fé a qual ele se refere como
calma e geradora de paciência porque se apóia “na inteligência e na compreensão
das coisas”[4],
bem diferente do que ele chama de fé vacilante, aquela que se
ressente de sua própria fragilidade e, motivada pelo interesse, torna-se
violenta em uma tentativa irracional de suprir a força que lhe falta.
Aliás, isso de alguma
forma explica os fenômenos contemporâneos de terrorismo religioso onde, em nome
de uma interpretação muito particular da doutrina do Islã, infelizes irmãos
integrantes do Talibã se autorizam a explodir escolas no Paquistão[5].
Trata-se de manifesta declaração da insustentabilidade de suas convicções
mediante uma postura fundamentalista frente ao raciocínio e uma resposta
obscurantista à liberdade de pensar, corolário do fim da escravidão humana de
outros tempos.
Para Kardec, a fé não
combina com a presunção e nem com a violência. A fé deve ser humilde porque,
sendo raciocinada, compreende os seus limites e reconhece a sua fortaleza na
vontade de Deus, “a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.”[6]
A fé presunçosa
denota orgulho, imperfeição humana que produz a cegueira intelectual e moral. O
orgulhoso fecha-se em si mesmo e crê-se com mais luzes que os outros. Ele cerra
os ouvidos ao diálogo e às opiniões contraditórias às suas crenças,
desvalorizando a oportunidade de aprender com a leitura do outro sobre as suas
convicções pessoais e, quem sabe, robustecer serenamente a própria fé.
Do ponto de vista
teológico, segundo Kardec, a fé costuma ser concebida como a crença em dogmas
especiais que constituem, desse modo, as mais diferentes religiões no mundo.
Dessa perspectiva, a
fé pode ser raciocinada ou cega. A fé cega consiste naquela em que o crente não
se ocupa de verificar pela lógica o objeto de sua crença que, muitas vezes,
choca-se com as evidências que os fatos lhe apresentam, tanto quanto colide
frontalmente com o uso da razão.
A
fé cega tende a produzir fanatismo, onde cada crente teria a pretensão de que a
sua religião deteria todo o conteúdo das verdades espirituais da vida. O
fanatismo, por sua vez, como erro de percepção do cosmo e das Divinas Leis,
tende a degenerar em intolerância e violência, como no exemplo assinalado
anteriormente.
Por
outro lado, a fé raciocinada mantém a liberdade de pensar como premissa de sua
efetividade, ela se fortalece no raciocínio sem preconceitos e no livre-exame
proporcionado pela dúvida que investiga. Nesse sentido, a fé racional não teme
o progresso intelectual da coletividade, muito pelo contrário, a sua capacidade
de “encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”[7] é
condição que a mantém inabalável, como ensinou o insigne codificador do
Espiritismo.
É
de bom alvitre que recordemos que a fé não pode ser prescrita ou imposta a um
indivíduo. No que tange aos valores espirituais básicos é uma aquisição pessoal
amadurecida a cada reencarnação do Espírito, atualizada sob a influência de
questões socioculturais, contudo, é uma questão de foro íntimo.
Por
fim, entendamos que a fé, para ser raciocinada, demanda que o seu ponto de
apoio se estabeleça na compreensão clara e prefeita daquilo em que se crê, ou
seja, em um método de raciocínio que se sustente em um sentido lúcido e
profundo para a crença, no exame rigoroso dos fatos inerentes aos princípios
filosóficos da escola de fé abraçada, sem deixar margem a nenhum mistério ou
superstição.
Em matéria de crença
aceitemos somente o que é inteligível à razão e, caso alguém queira nos impor
uma fé cega, lembremo-nos da recomendação do Mestre Jesus a dizer-nos em seu
Evangelho “Deixai-os; são condutores
cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.”[8]
[5] YUSUFZAI,
Ashfaq. Paquistão: escolas femininas desafiam o Talibã. Disponível em:http://ponto.outraspalavras.net/2012/01/11/escolas-femininas-desafiam-taliba/, acessado em
26/01/2012.