“Aceito o Cristo e os Evangelhos, todavia não aceito o vosso cristianismo.”
(Palavras de Ghandi aos padres anglicanos)
Lemos na pergunta 625 d’O Livro dos Espíritos: - Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo? Resposta - “Vede Jesus.” E Kardec acrescenta: “Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava”.
Quando mergulhamos na essência da mensagem de Jesus, torna-se-nos evidente a desconformidade das prédicas e práticas adotadas pelas religiões autoproclamadas “cristãs” com os lídimos ensinamentos do Excelso Mestre.
Em parte alguma dos Evangelhos detectei Jesus vestindo paramentos, ministrando sacramentos ou quaisquer outras formas do ritualismo religioso. Estas práticas litúrgicas foram criadas a pouco e pouco, a partir do século IV, com a declaração do cristianismo como religião oficial do Império Romano pelo imperador e “pontifex maximus”, Constantino. Desde então o cristianismo passou de perseguido a perseguidor e incontáveis foram os crimes e desmandos cometidos “ad majorem Dei gloriam” sob a capa da religião, manchando com sangue e lágrimas a história da Humanidade por muitos e muitos séculos.
Por outro lado, é oportuno lembrar que Jesus era detestado e anatematizado pelos religiosos da sua época por desprezar a vacuidade do ritualismo espetaculoso por eles praticado e que ainda remanesce em boa parte das igrejas “cristãs”.
Também não encontrei, nos textos escriturísticos, Jesus ou qualquer um dos seus apóstolos fazendo votos de “castidade” ou de pobreza, vivendo em celibato, ou ajoelhando-se diante de altares ou de imagens. Vale lembrar que o vasto panteão dos santos canonizados é hoje, indisfarçavelmente, o substitutivo dos mitológicos deuses pagãos.
Constatei que o único título que Jesus reivindicou para si foi o de educador: “Vós me chamais mestre e dizeis bem porque eu o sou.” E, quando um jovem rico o chamou de bom, ele respondeu: “Por que me chamais bom? Bom só Deus o é!” Observei que Jesus orava a Deus, então como pôde ser confundido com a Divindade? Convenhamos! Se assim fosse, teríamos Deus orando para si mesmo?
Nas minhas observações não encontrei Jesus a fazer preces de abertura e/ou de encerramento nas suas atividades missionárias e, quando orava, dirigia-se a Deus em silêncio e profundo recolhimento íntimo, usando expressões que lhe vinham ao coração e à mente naqueles momentos especiais, ensinando-nos assim a maneira correta de nos dirigirmos ao Alto. Concluo, igualmente, que Jesus ensinou-nos a elevar nossas preces apenas ao Creador, Pai dele e nosso, embora eu entenda que nada nos impede de endereçar rogativas aos espíritos superiores e, dentre eles, Jesus.
Quanto aos chamados “milagres” a ele atribuídos, sabemos hoje que eventos sobrenaturais não podem acontecer, pois que todos os fenômenos que ocorrem, a qualquer tempo ou lugar, são perfeitamente afinados aos mecanismos causais das leis naturais, tão perfeitas e inalteráveis como o Legislador que as estabeleceu, Deus. Tanto é assim, que Jesus declarou não ter vindo derrogar a lei, e que tudo o que ele fazia nós também poderíamos fazer...
Sabemos igualmente que, quando o corpo morre, o espírito que o animava (alma) desliga-se irreversivelmente da carne e, na condição de desencarnado, continua mais vivo do que antes. Relativamente à chamada ressurreição de Lázaro, lê-se que, ao receber a notícia da morte do irmão de Marta e Maria, Jesus teria dito: “Lázaro não está morto; ele dorme”, evidenciando que seu amigo de Betânia estava num estado morte aparente, cataléptico.
Penso que Jesus, ao proclamar a libertação pelo conhecimento, estabeleceu as bases de uma filosofia vivencial espiritualizada, que impele a cada um de seus seguidores pelas trilhas luminosas do autodescobrimento como espírito imortal em processo evolutivo ascensional, rumo a sempre crescentes níveis de perfectibilidade. Este saber basilar alicerça a crença raciocinante e ativa, que induz o verdadeiro seguidor de Jesus à progressão intelectual e moral, sustentáculo da conduta ética e caridosa que se reflete positivamente na psicosfera da coletividade humana, encarnada e desencarnada.
Posto isto, pergunto a ti, leitor:
- Fundou Jesus alguma religião?
Aureci Figueiredo Martins – Porto Alegre/RS: E-mail: aureci@globo.com