“Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma
única falsidade, uma só teoria errônea.” (Espírito de Erasto in O Livro dos Médiuns, item 230)
Perdoem-me os
que creem piamente, mas quem quer saber das coisas como elas realmente são
precisa duvidar. Refiro-me à dúvida ativa: aquela que não descansa enquanto não
encontra a própria destruição na resposta satisfatória, pois que existe a
dúvida vazia, que se esgota em si mesma. Esta última é tão ou mais nociva do
que a crença cega porque costuma conservar na ignorância os que com ela
expressam apenas acomodação mental e uma tola vaidade intelectual.
Eliminar as dúvidas antes de
acreditar, eis uma cautela indispensável ao pensador que não quer ser enganado
nem enganador. Questionar nossas ideias e convicções, submetendo-as ao crivo
sereno e lógico da razão, é uma providência saudável que nos pode livrar de
enganos e decepções futuros.
Vivemos a chamada “Era da
incerteza”, na qual a precariedade das nossas percepções foi escancarada pelos
avanços das ciências psicológicas hoje imbricadas nas dimensões quânticas da
“matéria mental” estudada na Nova Física. Já disse alguém – e disse bem – que
só os tolos têm certezas absolutas.
Tais descobertas nos levam a
concluir que toda e qualquer concepção humana nada mais é do que mera criação
subjetiva, individual. Ou seja, as verdades absolutas, embora possam existir,
não cabem na estreiteza da bitola mental do homem hodierno; delas, só logramos
captar informações fragmentárias. Daí a necessidade de relativizarmos nossos
conhecimentos e desconfiarmos de nossas certezas e crenças, para que não
venhamos a ser surpreendidos entre os que se deixam enganar por ideologias
equivocadas ou pelas mentiras enfeitadas com que, ainda hoje, os falsos
profetas continuam explorando a credulidade fácil das multidões acríticas.
Crer sem entender é uma falta de
respeito a si mesmo, uma ofensa à própria inteligência. A crença não validada
pela racionalidade tende a infantilizar o espírito humano, gerando mentalidades
ingênuas que são facilmente transformadas em marionetes nas mãos de
exploradores inescrupulosos, ou levadas a fanatismos por “cegos que guiam
cegos”.
Todavia, é fora de dúvida que a
inteligência é a luz do homem e, como tal, deve ser colocada no alto para
clarificar suas operações e construções mentais. Desse modo, com a luz ao
velador – tal como recomendado por Jesus –, o espírito humano poderá
reconstruir suas convicções e crenças sobre as bases graníticas de uma
consciência amadurecida que adotou a crítica racional como instrumento de
validação do conhecimento possível, sabidamente relativo.
Por paradoxal que pareça ser à
primeira vista, é justamente a dúvida sistemática que nos leva à construção de
uma fé robusta, raciocinante, baseada no entendimento daquilo em que
se acredita em qualquer campo das realidades físicas, extrafísicas ou
espirituais.
“Conheceres a Verdade, e ela vos
libertará”,
prenunciou Jesus. E que me perdoe o Excelso Mestre se me atrevo a proclamar uma
nova bem-aventurança:
- “Bem-aventurados os que duvidam
porque conquistarão a verdadeira fé.”
Aureci Figueiredo Martins – aureci@globo.com